Quebrado muro de silêncio dos "cabeças-rapadas"

Pela primeira vez, um dos arguidos admitiu ter presenciado o espancamento de Alcindo Monteiro. E identificou os agressores
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Finalmente, alguém viu alguma coisa. José Lameiras – arguido com outros 18 indivíduos, alegadamente “cabeças-rapadas”, no processo movido pelos familiares de Alcindo Monteiro, espancado até à morte - , que ontem prestou declarações, identificou alguns dos autores de agressões aos diversos negros que o grupo encontrou no seu périplo em corrida pelo Bairro Alto, nomeadamente à vítima mortal, Alcindo Monteiro, cabo-verdiano, de 27 anos.

José Lameiras, ao contrário de todos os outros arguidos, não participou no jantar que teve lugar em Cacilhas, no restaurante O Ribeiro, alegadamente para comemoração do Dia da Raça, tendo-se apenas reunido ao grupo no Bairro Alto, junto ao bar O Minhoto.

Lameiras afirma que, depois do percurso entre a Rua do Diário de Notícias, a Rua da Rosa e a Rua de São Pedro de Alcântara, em que participou nas agressões a várias pessoas, identificando vários outros elementos que também o fizeram, chegou à Rua Garrett, já no Chiado, estava Alcindo “rodeado” pelos restantes elementos do grupo.

“O Alexandre Cordeiro e o Jaime Hélder começaram a bater-lhe, e acho que o Nuno (Monteiro) da Brandoa lhe deu uns pontapés”, afirmou, acrescentando ainda ter visto “o que me pareceu ser o José Paiva, pela silhueta e modo de andar, a agredir o homem na cabeça com um ferro com base de cimento”.

Perante as insistências do tribunal, Lameiras clarificou: Alexandre agrediu Alcindo a murro e pontapé. Nuno Monteiro desferiu alguns pontapés com Alcindo ainda de pé. José Lameiras afirma ainda ter gritado: “Estes tipos devem ser loucos, estão a matá-lo”, considerando que, “pela forma como actuaram, tinham a intenção de matar”.

O mesmo arguido confirmou a versão da acusação do Ministério Público, segundo a qual, no final, João Martins, o “João do Cacém”, “colocou um pé sobre a cabeça da vítima, levantando os braços em atitude de triunfo”, pondo depois as mãos na cintura, na tradicional pose do caçador junto à presa.

João Martins, que prestou igualmente declarações, confirmou esta atitude, mas diz que o fez “sem intenção de magoar, senão tinha-lhe dado pontapés”. Apesar de ter presenciado os acontecimentos, preferiu adoptar a postura que, até às declarações de Lameiras, tem sido a de todos os arguidos: “não vi quem bateu”, “não posso dizer ao certo quem foi”, “estava de costas”, etc., etc. “A única  pessoa que vi com um objecto na mão era um tipo baixo, de cabelo preto”, características fisionómicas que, garante, não eram as do Paiva.

Segundo a acusação, antes de chegar à Rua Garrett, no Largo trindade Coelho, cruzando-se com um rapaz de raça branca acompanhado pela sua namorada, negra, João Martins provocou o rapaz dizendo “não gosto de misturas”, agarrando-o pelo pescoço quando ele esboçou uma reacção. O jovem acabou igualmente por ser espancado.

Nuno Monteiro, o primeiro arguido a prestar declarações na sessão de ontem, a quem a PSP apreendeu uma soqueira com vestígios de sangue – que, ainda segundo a acusação do Ministério Público, terá usado por diversas vezes ao longo da marcha acelerada pelo Bairro Alto, nomeadamente num negro que se fazia acompanhar por uma namorada branca -, afirmou que o sangue é seu, tendo resultado de agressões por parte dos agentes que o detiveram, que lhe terão batido com a sua própria soqueira.

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